“Tributo sobre consumo é o verdadeiro leão
Do total de impostos arrecadados no país, apenas 21% incidem sobre a renda.
A média da OCDE (…) é de 33%. (…) [N]a média da América Latina é 25%.
Por outro lado, nossa tributação sobre o consumo é bem mais elevada, representando 43% da arrecadação e a metodologia da OCDE, que levou a esses dados, não inclui nessa conta as contribuições sociais, que no Brasil são bastante altas (mais 26%) e também acabam sendo repassadas ao consumidor.
Nenhum país rico tem uma taxa tão elevada de impostos sobre o consumo. A média da OCDE é novamente 33%. (…) Latino-americanos cobram 52% (…)
Tributos sobre consumo prejudicam mais os pobres do que os ricos.
É fácil entender o motivo: quem ganha R$ 50 mil por mês provavelmente guarda ou investe boa parte do seu salário, consumindo apenas uma fatia dele. Quem ganha R$ 800, porém, provavelmente consome tudo em produtos básicos no mercado, sem criar poupança alguma (…)
O fato de os países em desenvolvimento tributarem consumo remete a uma questão do tipo ‘ovo ou a galinha’: somos pobres porque tributamos assim ou tributamos assim porque somos pobres?
Por um lado, de fato é difícil para países pobres arrecadar apenas via renda.
Veja o caso do Brasil: todo mundo com renda mensal acima de cerca de R$ 2.000 por mês tem de pagar IR de pessoa física. Embora não se trate de nenhuma fortuna, apenas 25 milhões de pessoas se qualificam para tal ‘honra’. Elas representam só 25% da população economicamente ativa (100 milhões) (…)
Além disso, em um país com muita informalidade como o Brasil, é mais fácil sonegar na declaração do Imposto de Renda do que dizer à caixa do supermercado que não vai pagar a carga tributária embutida no saco de arroz (…)
Por outro lado, também é verdade que as nossas alíquotas de IR não são tão elevadas. Novamente no caso das pessoas físicas, elas variam entre 0% e 27,5%. Mesmo esquecendo países como os da Escandinávia, há muitas nações com taxas maiores.
No caso dos EUA, por exemplo, tanto pobres quanto ricos pagam mais. Não há isenção, mesmo o mais desafortunado assalariado paga 10%.
Por outro lado, o teto é de 39,6% para tudo que ultrapassar US$ 400 mil ao ano (cerca de R$ 70 mil ao mês). No Reino Unido, a taxa também pode chegar a 45% para quem ganha muito bem.
No Brasil, o imposto mais relevante incide sobre o consumo: é o ICMS, dos Estados. Em 2012, sua arrecadação total foi de R$ 327 bilhões.
No quesito impostos sobre patrimônio, segundo a OCDE, nos aproximamos de países desenvolvidos: 4,8% da arrecadação brasileira sai de tributos como IPTU e IPVA, contra 5,4% nos países ricos.”
A (ótima) matéria chama a atenção para dois pontos interessantes: a carga de impostos sobre renda no Brasil é baixa em relação a carga de impostos sobre consumo, quando comparados a países desenvolvidos; e carga alta de impostos sobre consumo está correlacionado com um baixo índice Gini (má distribuição de renda).
Mas temos que tratar os dois pontos com alguma cautela antes de simplesmente criticar o sistema brasileiro.
Primeiro, uma questão de pura matemática. Em uma divisão, se o denominador é formado pela soma do numerador e outro número, se diminuirmos o numerador, diminuiremos também o denominador, mas a um ritmo menor. Ou seja, ao diminuirmos o numerador, o resultado da divisão será maior. E se aumentarmos o numerador, o resultado da divisão será menor. Complicou? Pense nesse exemplo:
Imagine que em um país o governo arrecade R$2 através de impostos sobre a renda e outros R$2 através de impostos sobre o consumo. No total, ele arrecada 50% (2/(2+2)) através de impostos sobre a renda e outros 50% (2/(2+2)) através de impostos sobre o consumo.
Agora imagine que o valor da alíquota dos impostos sobre a renda caia e que o governo agora só arrecade R$1 através de impostos sobre a renda. Agora os impostos sobre a renda representam apenas um terço do valor total arrecadado (1/(1+2)), enquanto os impostos sobre o consumo representam dois terços (2/(1+2)). Sim, a participação do imposto sobre o consumo aumentou em relação à arrecadação total (de 50% para 67%), mas o total de imposto caiu (de R$4 para R$3).
E note que o aumento da participação dos impostos sobre o consumo na arrecadação total não teve nada a ver com uma mudança nestes impostos, mas foi consequência da diminuição da carga tributária sobre a renda.
E é justamente isso que ocorre no Brasil. O total dos impostos sobre o consumo é alto não porque eles sejam altos por si só (por exemplo, o ICMS no Brasil – que é um imposto sobre o consumo – não é mais alto que o seu equivalente europeu (o chamado VAT)), mas porque cobramos pouco imposto sobre a renda.
Ou seja, um dos fatores que torna o percentual de impostos sobre o consumo alto no Brasil quando olhamos a carga tributária total é que os impostos sobre a renda e propriedade são relativamente baixos. Se eles estivessem no mesmo nível dos países desenvolvidos, o percentual de participação dos impostos sobre consumo na arrecadação total cairia. Mas estaríamos todos pagando muito mais imposto.
O segundo ponto é que correlação não é causalidade. O fato de países em desenvolvimento (como o Brasil) terem cargas maiores de impostos sobre a renda não quer dizer que esses impostos sejam, necessariamente, culpados por eles não serem desenvolvidos. Tampouco significa que uma diminuição da carga tributária sobre o consumo faria com que tais países se tornassem desenvolvidos.
Correlação são duas coisas que ocorrem ao mesmo tempo. Causalidade é quando uma coisa é consequência da outra. Por exemplo, sofrer enjoos e ganhar peso são muitas vezes consequências de uma mesma causa: estar grávida. Embora as duas coisas – enjoo e ganho de peso - tendam a ocorrer juntas (estão correlacionadas), uma não é causa ou consequência da outra. Você pode sofrer enjoos sem ganhar peso (sofre de bulimia ou bebeu demais na noite anterior, por exemplo) e pode ganhar peso sem sofrer enjoos. Ambas são, na verdade, consequências de uma terceira variável: a gravidez. A gravidez é que é a verdadeira causa.
O mesmo ocorre no caso dos impostos sobre o consumo. A verdade é que não sabemos se eles causam discrepância social ou se tais discrepâncias e tais impostos são ambos apenas consequências de uma outra causa comum. Por exemplo, é possível que a falta de coesão social que gera a forte desigualdade que existe no Brasil também gere a sonegação e acabe forçando o governo a optar por tributos sobre o consumo, que são mais difíceis de serem sonegados.
E é até possível que de fato haja, sim, uma relação de causalidade, mas em sentido contrário. Ou seja, as desigualdades sociais em países em desenvolvimento forçam o governo a cobrar mais impostos sobre o consumo justamente para punir quem consome mais.
Mas a matéria não disse que tais impostos punem justamente os mais pobres? Sim! Mas isso só é verdade se todos os produtos sofrem a mesma tributação, o que não ocorre no Brasil. Produtos e serviços de primeira necessidade são isentos ou têm uma alíquota muito mais baixa que produtos supérfluos. Enquanto o ICMS no arroz gira em torno de 7%, em um perfume ele gira em torno de 25%. Ou seja, o rico – que é quem consome produtos supérfluos – paga alíquotas maiores porque consome produtos com alíquotas maiores (aliás, é por isso que você vê perfumes e cigarros em free shop/duty free de aeroporto, e não arroz e feijão: a carga tributária no segundo grupo é muito baixa, logo, haveria pouca diferença entre o preço cobrado naquelas lojas e no preço cobrado nas ruas).